De 1998 a 2008, foram assassinadas no Brasil 521.822 pessoas, a imensa maioria do sexo masculino, de acordo com o “Mapa da Violência 2011: os jovens do Brasil”, encomendado pelo Ministério da Justiça ao Instituto Sangari. Nessa guerra não declarada, a principal vítima é a população jovem. Os dados de 2008 mostram que, enquanto entre as pessoas menores de 15 e maiores de 24 anos apenas 1,8% dos óbitos são causados por homicídios, entre jovens na faixa etária intermediária os assassinatos são responsáveis por 39% das mortes.
A juventude negra é de longe a que mais sofre com esse massacre e a diferença tem aumentado em relação aos brancos. Ao mesmo tempo em que o número de homicídios de jovens brancos caiu 30% de 2002 a 2008, entre os negros subiu 13%. Disso resulta que, se em 2002, a probabilidade de um jovem negro morrer era 45% maior do que a de um branco, em 2008 esse índice atingiu assustadores 127%.
Dados alarmantes como esses, em um país que muitas vezes se gaba de ser pacífico, evidenciam o que há muito tempo se sabe: ocorre no país um verdadeiro extermínio de jovens do sexo masculino, negros e, em sua maioria, pobres. Nas últimas décadas, o movimento negro brasileiro vem denunciando essa tragédia cotidiana, e já fez inúmeras campanhas para exigir uma atitude do poder público. No entanto, as medidas que vêm sendo tomadas para enfrentá-la não estão surtindo efeito, já que o problema tem se agravado e a tendência é que piore ainda mais.
O massacre de jovens afrodescendentes é apenas o ponto final de trajetórias permeadas por diferentes formas de racismo, violações de direitos humanos desde antes do nascimento, exclusão, falta de oportunidades e de perspectivas de futuro. As profundas desigualdades sociais e os processos discriminatórios que em geral marcam o percurso da juventude negra, herdados do período escravista e reiterados cotidianamente pela sociedade brasileira, deixam poucas saídas para essa parcela da população. Tais jovens estão entre os que têm os piores níveis de escolaridade, entre os que recebem os salários mais baixos, encabeçam a lista dos não alfabetizados, dos desempregados, dos que ocupam os empregos informais, dos que superlotam os presídios.
São milhares de vidas abreviadas pela violência letal, potencialidades desperdiçadas, famílias destruídas. Um verdadeiro massacre que resulta da conjunção de múltiplos fatores. Da ausência de políticas públicas, principalmente relacionadas a uma educação pública de qualidade e a oportunidades de trabalho e renda. Do aumento do narcotráfico e do consumo de drogas, que aparecem como possibilidades de ascensão social ou de fuga dessa dura realidade, recrutando jovens para o crime organizado e aumentando a criminalidade.
Também decorre de uma política de segurança pública a serviço da elite brasileira. Da persistência da violência institucional, impetrada pela polícia e por outros agentes do Estado, que se manifesta nas revistas pessoais banalizadas, nas abordagens truculentas, nas humilhações, nas agressões, nas prisões arbitrárias, na tortura, na execução sumária de suspeitos. Ações que quase sempre terminam impunes, atingindo muitas vezes jovens inocentes, considerados criminosos simplesmente por serem negros. Da ação das milícias, dos grupos de extermínio, muitas vezes também formados por policiais, que promovem chacinas nas periferias, do contrabando de armas, da proliferação da segurança privada.
Perpetua-se essa situação por conta de uma indignação tímida da opinião pública, que não se mobiliza de verdade enquanto são os pobres os que morrem. Os meios de comunicação tendem a apenas naturalizar a questão ou tratá-la de maneira sensacionalista. Traços de uma sociedade que em grande medida silencia frente ao horror e assim compactua com essa tentativa de extermínio.
Na última década, em reação a essa realidade, a juventude negra vem se organizando para enfrentar a violência da qual constitui o principal alvo, por meio de campanhas, encontros e propostas. Representantes da cultura hip hop, dos grupos culturais, da capoeira, das manifestações regionais, dos coletivos de estudantes, denunciam o problema em sua complexidade e se articulam para aumentar sua participação política, buscando incidir na construção e implementação de políticas públicas. Nesse período, foram criadas instâncias como o Fórum Nacional da Juventude Negra, os fóruns estaduais, e a Rede Nacional de Juventude Negra. Uma população que, à revelia da tentativa de genocídio, assume o protagonismo no enfrentamento à questão e afirma veementemente que quer viver.
Diante da gravidade desse problema, a ABONG e suas associadas defendem, neste 13 de maio, que ele deve ser encarado verdadeiramente como uma preocupação central de toda a sociedade brasileira, e que revertê-lo precisa ser uma prioridade na atuação dos poderes públicos – executivo, legislativo e judiciário, em nível federal, estadual e municipal. Fazem-se urgentes políticas públicas integradas e articuladas, políticas afirmativas, reparadoras de uma história que colocou a população negra à margem. Não apenas políticas de segurança pública, mas também de saúde, educação, assistência social, moradia, geração de trabalho e renda, cultura, lazer, esporte, comunicação, direcionadas à juventude negra, construídas com a participação desse coletivo, e que levem em conta suas especificidades.
Como sustenta em artigo recente Deise Benedito, presidente da Fala Preta! – Organização de Mulheres Negras, é necessária a elaboração de um plano nacional que contemple medidas de prevenção, enfrentamento, proteção e qualificação, voltado ao combate à letalidade da juventude negra no Brasil, com orçamento próprio e compromisso em sua implementação. Só com vontade política será possível reverter esse problema que traz consequências dramáticas para a sociedade brasileira.
O “Mapa da Violência 2011: os jovens do Brasil” pode ser baixado na íntegraaqui.
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